quinta-feira, 21 de abril de 2011

Jesus negro será queimado em pneus na Paixão de Cristo da Cidade de Deus

Espetáculo 'Outra Paixão' será encenado por grupo de teatro da comunidade. Peça adaptou personagens da Bíblia para os dias atuais.
Por Alícia Uchôa Do G1 RJ
Espetáculo Outra Paixão - Cidade de Deus
(Foto: Françoise Mattoso & Joana Sanz / Divulgação)
Sexta-feira da Paixão e a Cidade de Deus vai ter seu próprio espetáculo da Paixão de Cristo neste feriado. Em vez de Jesus de madeixas longas crucificado, a comunidade da Zona Oeste do Rio vai ver o filho de Deus de cabelo no estilo black power sendo queimado em pneus, na tortura feita por traficantes conhecida como "micro-ondas". Dirigida por um ex-menino de rua, a Companhia Teatro da Provocação vai encenar a peça “Outra Paixão” no CIEP da favela, neste fim de semana.


Admitindo a polêmica de “queimar” o filho de Deus na Cidade de Deus, Adilson Dias garante que está preparado para a repercussão. “Não fui eu quem executei Jesus. Li o evangelho e acho a palavra dele a mais avançada das mais avançadas das tecnologias. É revolucionário”, resume o diretor.
A ideia, conta ele, surgiu de uma conversa com um amigo da Favela do Barbante, em Campo Grande, também na Zona Oeste. “Ele falou: ‘aqui, só Jesus salva’. Comecei a imaginar Jesus chegando ali. O que ele encontraria se viesse nos dias de hoje”, explica Adilson.
Na peça, Jesus é Messias, jovem que tentaevangelizar traficantes
(Foto: Françoise Mattoso & Joana Sanz / Divulgação)
Maria lavadeira

Na história, Messias, que é filho de Dona Maria, lavadeira da comunidade, chega à favela na tentativa de evangelizar dois jovens envolvidos com o tráfico de drogas. Acaba sendo traído por um deles e é condenado ao ‘micro-ondas’ pelo chefe do crime no local.

Algumas das cenas, como a que traficantes vendem drogas gritando “pó de R$ 10” e “maconha de R$ 5” assustaram alguns vizinhos do espaço de ensaios, que não ouviam frases de feira livre de drogas desde a instalação da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) na comunidade, em 2009. Já antevendo que isso poderia lhe trazer problemas, Adilson levou o roteiro da peça para o major Romeu, capitão da UPP local.

Ex-menino de rua

A relação de Adilson com a religião e com a cultura começou nas ruas. Menor de rua, ele ‘morava’ em frente à Candelária, no Centro da cidade. “Entrava no Centro Cultural Banco do Brasil para beber água gelada e ficava encantado”, lembra ele, hoje com 30 anos.
Adilson Dias já viveu nas ruas e hoje é
diretor da Companhia Teatro de Provocação
(Foto: Françoise Mattoso & Joana Sanz / Divulgação)
Depois de sofrer uma agressão na região, foi viver em frente à Casa de Cultura Laura Alvim, em Ipanema. “Até 14 anos eu era um cara sujo, cheia de marcas no corpo e que as pessoas não enxergavam e não davam oportunidade. Naquela época, achavam que dali não sairia quem prestasse. Eu falei para mim: ‘ou estudar e dar a volta por cima’”, conta o diretor, que saiu antes da chacina da Candelária, mas chegou a conviver com as vítimas.

Com a determinação, completou o Ensino Médio, estudou teatro e hoje faz faculdade de pedagogia. Seu padrinho no teatro é o ator Sérgio Britto, que ficou impressionado com o menino na porta do Teatro Glória. “Estava na porta pedindo ingresso, ele me perguntou se era isso mesmo que eu queria e fui ver “O Zelador”, de Harold Pinter, com Selton Mello”, lembra ele.

Serviço

"Outra Paixão" fica em cartaz nesta sexta, sábado e domingo, às 20h, no CIEP João Batista, na Rua Edgar Werneck, 1565 na Cidade de Deus. A entrada é gratuita.










Fonte: G1

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